quarta-feira, 25 de maio de 2011

Por J.R Guzzo

Vi essa matéria na Revista VEJA esses dias e  achei excepcional a forma com o colunista descreveu a nova classe brasileira, a classe AAA. 



                                           

 

                                        Mais um portento

J. R. GUZZO




REVISTA VEJA

No meio de todo o ruído levantado nesses últimos tempos para saudar a subida da classe "C", ou o aparecimento da nova "classe média", a verdade é que pouco se ouve falar de um fenômeno ainda mais interessante - o surgimento de algo que se poderia descrever como a classe "AAA". Ela não é mencionada na propaganda oficial; ao contrário, sua existência é um constrangimento nas áreas ligadas ao poder público. Também não tem despertado a menção dos analistas políticos, mais preocupados, ultimamente, em descobrir se os emergentes são lulistas, dilmistas ou neoconservadores. Essa nova classe, enfim, parece não ter atraído até agora o interesse dos departamentos de marketing de empresas em busca de consumidores de bolso cheio - ou, se já atraiu, ninguém está disposto a ficar falando disso. Numa pátria-mãe menos distraída do que o Brasil de hoje, porém, a classe AAA provavelmente despenaria um pouco mais de curiosidade. Ela é formada por gente que, de uma forma ou de outra, prospera recebendo dinheiro do governo, inclusive por meios lícitos - e aí estamos falando de cada vez mais gente, cada vez mais prosperidade e cada vez mais dinheiro, a ponto, talvez, de colocar este país diante de uma nova espécie de portento econômico. 

Não se trata, no caso, de qualquer dinheiro público. Nada de povão por aqui - não entram na classe AAA, por exemplo, os brasileiros que vivem do Bolsa Família e de outras obras de caridade do governo. Também estão fora funcionários públicos de posição e remuneração modestas ou que, se ocupam cargos mais altos e têm salários melhores, trabalham de verdade, como qualquer cidadão comum. A população que habita esse mundo é formada por todos os que têm a ventura, hoje em dia, de vender algo ao governo, especialmente quando vendem caro e, melhor ainda, quando conseguem vender sem entregar. A seu lado, subindo de vida dentro do mesmo pesqueiro, estão os que não vendem mas recebem - o caso clássico é o dos controladores de ONGs que, através dos seus amigos dentro do governo, e dos amigos dos amigos, recebem doações do Erário para realizar tarefas vagas, isentas de prestação de contas ou simplesmente inexistentes. Estão nessa classe emergente, também, os milhares de companheiros presenteados com cargos na máquina pública e na constelação de altos empregos que se espalha em torno dela - conselhos de empresas estatais, autarquias, diretorias de fundos de pensão, institutos disso, secretarias daquilo. Há todo um meio de campo, com fronteiras mal definidas, cada vez maior e cada vez mais caro, de intermediários entre o poder público e as empresas privadas que fazem negócios com ele. Completam o bloco, enfim, os beneficiários da corrupção pura e simples - os que sempre trabalharam no ramo e uma aguerrida turma de novos talentos. É gente que gasta depressa, consome muito e, frequentemente, paga em dinheiro vivo - da mesma forma, aliás, como recebe.

Nunca houve tanto dinheiro em circulação nesse mercado - cerca de 1 trilhão de dólares em 2011, 1 belo e redondo trilhão, levando-se em conta que o governo, o grande cliente, representa cerca de 40% do PIB nacional, que deve fechar o ano com um total aproximado de 2,5 trilhões de dólares. O cofre está aberto para os mais variados tipos de transação. Podem-se vender estádios de futebol, aeroportos e trens-bala - ou trens não-bala, que, por sua vez, tanto podem ir na direção norte-sul como na leste-oeste. Também há, nesse mar de oportunidades, a chance de negociar instalações para uma Olimpíada inteira, serviços terceirizados de mão de obra e campanhas de publicidade informando ao público que o Brasil é de todos. É possível receber dinheiro do Erário em troca de usinas hidrelétricas, organização de festas juninas e recitais de poesia. Há excelentes perspectivas, na área judicial, para arrancar indenizações do Tesouro Nacional - e por ai segue a procissão. Ela passeia pelo país inteiro, mas é Brasília, obviamente, a sua cidade predileta - nada mais natural que a renda per capita na capital esteja a caminho dos 30000 dólares anuais, cerca de três vezes a média nacional. É o progresso.



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Acabamos de ficar sabendo, com base no último censo do IBGE, que há exatamente 16267197 miseráveis no Brasil de hoje; são os cidadãos com renda mensal de até 70 reais. É uma boa notícia e, ao mesmo tempo, um mistério. A boa notícia é que eles são apenas 8,5% da população total. O mistério é saber como alguém consegue ganhar 71 reais por mês, por exemplo, e não viver na miséria.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Dama do Vermelho


 
Ao som da sirene e com o gloss no porta luvas, assim começa mais um dia de uma motorista um tanto quanto diferente.

Bárbara Batista, Bruno Menezes, Cica Alfer, Jaqueline de Paula

Minha meta é o corpo de bombeiros”, afirma Thaís Andrade, 25, com um sorriso no rosto mesmo após mais um dia de maratona, a única representante do sexo feminino condutora do SAMU (Sistema de atendimento Municipal de Urgência) em BH e região metropolitana.
Ex-moradora de Brasília e atualmente morando em Ouro Preto, a dama do vermelho relata que sofreu um acidente doméstico quando ainda era criança e seu irmão ficou parcialmente queimado. Os dois foram socorridos por um vizinho bombeiro, fato que despertou sua vontade de ser integrante dos bombeiros, hoje este é o maior sonho.
A socorrista conta como é difícil lidar com os tabus impostos pela sociedade no dia a dia, “Por muitas vezes os motoristas não me dão passagem com a ambulância, por notarem que sou mulher, o que dificulta ainda mais o meu trabalho”.
A vaidade
Meu carro é vermelho, não uso espelho para me pentear”, Thaís que dirige a ambulância vermelha do SAMU se mostra muito vaidosa. Com vários brincos, anéis e unhas sempre bem feitas, Andrade diz que cantadas são normais em sua rotina e que o preconceito também é constante, mas que ela lida com muito jogo de cintura e prefere não levar essas brincadeiras a sério.
A carreira
O start na carreira não foi fácil, Thaís teve que fazer diversos cursos como: Primeiros socorros, direção defensiva e cursos do próprio SAMU. Contrariando a opinião de quem achava que ela não fosse conseguir se manter na profissão, a motorista que sempre gostou de carros, está no cargo há um ano. Com uma pitada de bom humor, e muita força de vontade, ela conta: “o terreno irregular e as ruas estreitas de Ouro Preto dificultam nossa acessibilidade às ocorrências”.
A rotina de um profissional desta área é pesada, são muitos atendimentos por dia em diferentes locais da cidade. Em Ouro Preto existe um fator que complicada ainda mais, a distância da cidade ao hospital referência em urgência e emergência é de 100km. O Hospital João XXIII recebe vítimas de todos os tipos de acidentes em Belo Horizonte e região.


A jornada de trabalho de um condutor socorrista é de 12 por 36 horas, podendo chegar ao limite máximo de 36 horas trabalhadas sem interrupção. Dores no corpo são normais, segundo Thaís, o esforço para carregar macas é muito grande e que não é raro quebrar o dedo indicador durante os atendimentos. Para aliviar o estresse no fim do dia, a receita é “tomar um bom banho e depois ir para o colo dos pais”, diz.
A vida sem o macacão
Se não estou no horário de trabalho e alguém me procura para pedir socorro, chego a desmaiar quando vejo sangue”, a dama do vermelho brinca que sua coragem encerra junto com o expediente.